sábado, 19 de novembro de 2011

Transportadores reforçam o uso da tecnologia contra roubos

Aumenta a proteção para evitar os crimes nas estradas, mas os métodos usados pelos ladrões também se tornam mais agressivos.

Não são apenas os consumidores que esperam os últimos lançamentos de aparelhos celulares. O quitute tecnológico é um dos preferidos dos piratas das rodovias. Num ponto da BR-386, entre Montenegro e Lajeado, que conecta o Norte e a região central gaúcha a diversos destinos, e por onde transita boa parte da riqueza produzida ou consumida pela economia local, o caminhão conduzido pelo experiente motorista Marcelo Vieira foi atacado.

Era madrugada de um dia de agosto passado, e, em menos de 30 minutos, a quadrilha sumiria com o carregamento de celulares. A ousadia chama a atenção por mais um motivo. Foi o segundo roubo sofrido por Vieira em menos de um mês e na mesma estrada. De nada adiantou a proteção com alarmes e monitoramento por satélite. Casos como o do motorista desafiam cada vez mais transportadores, indústrias, seguradoras e os segmentos de segurança privada e pública.

“O bandido me abordou, mandou baixar o vidro e apontou uma pistola. Não tive reação”, recorda Vieira. A velocidade com que o veículo foi alvo dos bandidos e só uma das faces de quanto o crime evoluiu, impondo mais investimentos em proteção e prevenção aos golpes. “É um jogo de gato e rato”, traduz o dono da MS Express, Sérgio Neto. Para driblar as artimanhas, as empresas de Neto usam cada vez mais estratégias de escoltas e alterações em roteiros, tentando escapar da mira das quadrilhas. Os transportadores também cobram maior ação da área fiscal com os comerciantes que receptam os frutos dos roubos. “Se há alguém que comete o crime é porque há alguém interessado em vender o produto no mercado”, atenta Neto.

Cargas como a de celulares estão no ranking das mais visadas pelos ladrões. Também poderiam ser facilmente identificadas, em batidas no varejo. “Basta rastrear quem habilitou o aparelho e ver onde ele comprou a mercadoria e ir lá”, sugere o transportador, que soma sete ocorrências este ano, sendo cinco apenas no trecho da BR-386 onde Vieira foi atacado. O saldo já é maior do que em 2010, que terminou com três registros. Mesmo assim, a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) atribui a redução registrada nos roubos no País em 2010 a mais investimentos em gerenciamento de risco, com medidas e tecnologias para prevenir as ocorrências. De 13,5 mil registros em 2009, o volume caiu para 12,8 mil no ano passado. Os casos envolveram prejuízo de R$ 880 milhões, ante os R$ 900 milhões do ano anterior.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Rio Grande do Sul (Setcergs) também identifica leve recuo dos roubos nas estradas locais, que somaram 133 registros no período ante 155 em 2009. A conta com as cargas que deixaram de chegar ao destino teria ficado em R$ 80 milhões, cerca de 10% do desfalque nacional.  Por outro lado, a entidade flagra uma expansão nos furtos de cargas, com elevação de 64 (2009) para 84 (2010), que ocorrem quando o caminhão está parado carregando ou descarregando a mercadoria.

O assessor de segurança da NTC&Logística, Paulo Roberto de Souza, aposta também em um forte trabalho de inteligência das entidades, com integração a órgãos de segurança, além de aperto da fiscalização das áreas da Receita estadual. “Os estados devem criar grupos de trabalho para discutir mudanças na legislação, afiar as estruturas de operação e estratégias contra o roubo de cargas”, assinala Souza, que é coronel da reserva do Exército.

Segundo Souza, São Paulo, onde circula a metade da riqueza nacional, é exemplo no aperto contra este tipo de crime. “O problema é que depois ele migra a outras regiões”, revela uma fonte. Souza cobra ainda a regulamentação da lei, aprovada em 2006, que criou o Sistema Nacional de Combate ao Roubo de Carga. “O sistema ajudará a interligar as ações entre os estados, que hoje são isoladas”.

Caminhões novos são monitorados

O presidente do Setcergs, José Carlos Silvano, diz que o grupo criado pela entidade aumentou a interface entre as empresas e autoridades. “Orientamos os transportadores a adotar mais segurança, com busca de gestão de risco e mapeamento de locais mais suscetíveis a ataques”, explica.

A estimativa é que 100% da frota nova de caminhões seja monitorada. O problema é que apenas 20% dos 240 mil veículos que circulam pelas rodovias estão nesta condição. “Quem transporta cargas mais visadas não tem como não ter a proteção”, adverte o presidente do Setcergs. Até porque nem as seguradoras aceitam clientes sem esta garantia. “O rastreamento permite identificar pontos negros nas estradas e definir planos de ação.”

A área de segurança pública do Estado, que não tem estatística oficial das ocorrências, busca combater as quadrilhas, que agem com maior intensidade em rodovias já identificadas, entre elas a BR-386, seguida pela BR-290 (que corta o Estado de leste a oeste), e a Região Metropolitana. O titular da Delegacia de Repressão ao Roubo e ao Furto de Carga, Rodrigo Bozzetto, garante que as ações têm conseguido interceptar as quadrilhas, mas admite que entre Triunfo e Montenegro há muitas áreas para esconder mercadorias. “Prendemos mais de 50 pessoas em 13 operações.

Atuamos com a Polícia Rodoviária Federal e empresas de gestão de risco”, diz o delegado. Segundo ele, a ação contra os bandidos é dificultada pela migração para outros tipos de crimes e pela legislação, que permite fiança para os presos. O secretário estadual da Fazenda, Odir Tonollier, informa que a área de fiscalização e combate à sonegação fiscal age com apoio da Brigada Militar. São 13 postos fiscais em locais estratégicos e mais 50 equipes volantes em rodovias. Quando há indicação de crime ou dúvida quanto à origem, o caso é encaminhado à autoridade policial.

 

Empresas dobram gastos com proteção

Vitória afirma que gerenciamento de risco é imprescindível para as cargas de maior valor.ANTONIO PAZ/JC

A conta só aumenta. Transportadores estimam que mais que dobraram os gastos com o gerenciamento de riscos e proteção a cargas, além de despesas com seguros. Itens de rastreamento, com uma parafernália de sistemas eletrônicos instalados nos veículos, e as apólices consomem até 15% da receita das operações. Segundo o diretor comercial da Transportes Tubarão, Renato Vitória, com sede em Porto Alegre, o gerenciamento de risco de cargas é tão imprescindível como o combustível que alimenta os caminhões nas estradas em todo o País. Ainda mais que o modal rodoviário responde por 60% do transporte.

Vitória diz que não há como operar com mercadorias de maior valor, como eletroeletrônicos, medicamentos e produtos petroquímicos, sem o serviço. “São tecnologias de ponta que garantem proteção e rastreamento, mas do outro lado há criminosos trabalhando para superar as barreiras”, exemplifica Vitória.

Uma das armas usadas para derrotar os sistemas é um aparelho chamado jammer. O equipamento, que tem venda proibida, pode ser comprado pela internet por US$ 100 e tem efeito de embaralhar o sinal do rastreamento. “Mesmo assim, o resultado é positivo. Não há como ir para a estrada sem a proteção”, conclui o diretor da Tubarão.

Com frota de 350 caminhões e fluxo de transporte de 40 mil toneladas ao mês, a empresa consome 6% do seu faturamento com as medidas contra os riscos, que atingem também a frota terceirizada. “Assumimos cada vez mais custos de seguro, mas temos bônus quando não há ocorrências”, diz o diretor da Tubarão. Na MS Express, o proprietário Sérgio Neto viu a conta sair de 5% da receita bruta, há cinco anos, para 13% a 15% atualmente. As ocorrências, que costumam crescer nos últimos meses do ano, também penalizam na renovação do seguro. A reincidência gera despesa que pode dobrar.

Para o presidente da Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas do Estado (Fetransul), Paulo Caleffi, os esforços dos transportadores não serão suficientes sem uma ação contra os receptadores. Caleffi estima em 10% a fatia da receita aplicada na prevenção. Secretário-geral da Câmara Interamericana de Transporte (CIT), Caleffi entregou à OEA, em El Salvador, proposta para a adoção da receita argentina. Lá, cargas roubadas apreendidas em depósitos ou no varejo geram apreensão de todo o lote. “Acaba aquela história de o comerciante alegar que desconhecia a origem da carga”, diz Caleffi. Outra medida defendida pelas entidades nacionais é o fim da fiança para os criminosos. “Não foi o crime que se organizou, mas a sociedade que se desorganizou”, sentencia Caleffi. São Paulo criou expediente no código tributário que bloqueia o registro da empresa flagrada com produtos roubados.

Vigilância online tem satélite e rede de apoio em caso de ataque

Um caminhão nunca está sozinho na rodovia. Pelo menos os que levam cargas mais visadas pelos ladrões como eletroeletrônicos, medicamentos, cigarros e materiais de construção. As estradas viraram palco de um autêntico big brother, com sistemas cada vez mais sofisticados de monitoramento, com uso de satélites online e rede de apoio para entrar em ação em caso de ataque.

No veículo, os equipamentos e proteções abrangem estribo retrátil, grades nas janelas, trava de direção e quinta roda, para impedir o desengate do semirreboque, controle de assento de carona e cerca eletrônica. Esta última soa o alarme caso o caminhão se desvie mais de 30 metros da estrada em manobra não prevista pelo plano de gestão de risco. “Antes de qualquer viagem, há um planejamento passado ao motorista. Não há como ir para a estrada sem proteção”, adverte o vice-presidente do Grupo Apisul, com sede no Estado, José Bento Di Napoli.

Mais de 30 itens são revisados e precisam ser validados entre a empresa e o motorista. O profissional que dirige é outro alvo, com treinamento e uso de análise de cadastro na seleção pelas empresas. A Apisul desenvolveu tecnologias de gestão de risco e proteção que são modelo no exterior. Na central nacional de operações, em Porto Alegre, centenas de profissionais monitoram caminhões em diversas regiões durante as 24 horas do dia. Eles ficam atentos a imagens de câmeras que acompanham 4 mil viagens por dia. Num mês, até 10 mil ocorrências merecem atenção, dez delas tentativas de roubo de carga, dimensiona Di Napoli. Segundo ele, a atuação reverteu em 2010 um prejuízo que poderia chegar a R$ 15 milhões em 70 episódios. “O valor se refere a cargas que deixaram de ser roubadas ou foram recuperadas graças ao nosso trabalho.”

Outra empresa, a Buonny Projetos e Serviços de Riscos Securitários, investe entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões ao ano para manter atualizadas as tecnologias usadas contra as quadrilhas. O diretor operacional da Buonny, Vagner Falconi, revela que a empresa montou este ano uma segunda base de monitoramento, chamado de prédio de redundância, que entrará em ação em caso de eventual dano à principal. “Garantimos 30% a 35% da operação normal”, assinala o executivo. Para evitar zonas de sombra ou pontos cegos das malhas de telefonia, a empresa contrata até duas operadoras para garantir cobertura do rastreador.  Senhas e contrassenhas aumentam a segurança no contato com o motorista. “Cada mensagem segue um padrão para indicar um nível de risco. Há o botão de pânico, se sair da rota”, exemplifica Falconi.

Seguradoras ficam mais seletivas e exigentes

Os ataques e os prejuízos aumentam cada vez mais as exigências das seguradoras, que restringem os produtos nas apólices. Com sinistro que ultrapassa 60% do valor dos prêmios, empresas deixam de atuar com cargas rodoviárias. Hoje meia dúzia de companhias mantém o setor em seu portfólio.

Ao mesmo tempo, ocorre a transferência da contratação para o embarcador, que assume a cobertura dos sinistros. E companhias expurgaram de suas carteiras alvos fáceis, como cigarros, e elevaram o grau de proteção para eletroeletrônicos e medicamentos.

O gerente de transportes da Chubb, uma das maiores operadoras do ramo no mundo, Amílcar Spencer, admite que são privilegiados clientes que adotam medidas mais eficazes. “Não dá para imaginar hoje que a transportadora não saiba onde está a carga.” A Chubb não segura cigarros e metais preciosos. Eletroeletrônicos e remédios são analisados caso a caso. “Não somos os únicos que não adotam esta estratégia”, diz .

A Mapfre é rigorosa em relação a nichos de cargas, de celulares a pneus, mas não chega a expurgar segmentos. “Não temos um tipo de carga que não fazemos seguro. Analisamos o risco de cada apólice”, explica o gerente de transportes da companhia, José Rodolfo Guimarães. O aumento das exigências e do rigor no planejamento de risco, com uso intensivo de equipamentos de rastreamento, reduz a incidência de roubos, acrescenta o executivo.

FONTE: DIARIO DO COMERCIO

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